Diante do sucesso incontestável das políticas de
distribuição de renda no Brasil atualmente, que na verdade foram implantadas no
governo Fernando Henrique Cardoso, mas desenvolvidas e consolidadas a partir do
primeiro mandato de Lula na presidência da república, e levando em conta a
relativa estabilidade econômica e política dos três mandatos sucessivos dos
governantes petistas, com o acesso de dezenas de milhões de pessoas a patamares
sócio-econômicos superiores, tem sido especialmente difícil para os partidos de
oposição encetarem um discurso bem articulado no plano nacional para se
mostrarem uma alternativa viável do ponto de vista eleitoral. Apesar das
vitórias oposicionistas expressivas nas eleições municipais e estaduais, o
mesmo parece muito distante de ocorrer no plano federal.
Durante algum tempo, os porta-vozes da política de oposição
gostaram de usar como mote a ideia de que o sucesso do governo Lula se devia
muito mais a um ciclo de estabilidade na economia internacional do que a um
mérito próprio. (Gostava-se de dizer — e se lia frequentemente em colunas jornalísticas — que Lula “surfava” na onda de crescimento
das economias dos países industrializados.) Nesse sentido, foi especialmente
fácil — e útil — indicar as concordâncias e similitudes do governo FHC e de
Lula, tentando mostrar que este último não teria acrescentado nada substantivo, nem em
relação ao governo anterior, nem perante o cenário internacional.
Com a crise financeira que se abateu sobre os Estados Unidos
em 2008 e depois se estendeu e ganhou feições próprias na Europa, o primeiro
argumento não mais pôde se manter, tendo em vista que, em contraste com
diversos períodos anteriores, a condição econômica nacional não se abalou
significativamente com as turbulências externas. Isso foi muito relevante na
mentalidade das classes médias, tendo em vista a memória recente do quanto o
país se afetava instantaneamente com qualquer desequilíbrio no âmbito
financeiro internacional, como foi o caso quando das crises ao redor das bolsas
de valores asiáticas em 1998.
O argumento do parentesco com o governo FHC começou a perder
força na medida em que o gerenciamento petista dos programas de distribuição de
renda se mostraram especialmente importantes na avaliação geral do governo Lula
(e depois Dilma). A crítica de que se tratava de política populista de cunho assistencialista necessariamente foi refeita, mas ainda hoje, em
2013, é uma questão distante de ser resolvida, pelo fato de que levanta duas alternativas aparentemente inviáveis: como um conjunto de partidos que tende para um ideário neoliberal pode
assumir — como plataforma política no âmbito macro — a validade de um programa
nitidamente ligado a um Estado forte e intervencionista? — Por outro lado, como
criticar este programa sem que isto implique abdicar dos votos de dezenas de
milhões de pessoas que vivenciam mensalmente o quanto tal política de
distribuição de renda tem um valor real? (Abstenho-me aqui de analisar o quanto essa percepção é ou não equivocada em termos de legitimidade do compromisso de política pública com a extensão tanto de abrangência social quanto de tempo, pois me interessa mais a questão da viabilidade eleitoral do projeto das oposições neoliberais.)
Trata-se de um impasse, que se revela com especial agudeza
se levarmos em conta que a direita no Brasil é marcada essencialmente pela
presença intervencionista do Estado, ou seja, pelo golpe militar de 64. Além
disso, a consolidação da política neoliberal pós-ditadura no país se deu sob a
égide bastante clara de uma intervenção estatal meticulosamente planejada,
gerida nos laboratórios políticos ligados ao consenso de Washington, ou seja, o
Plano Real — e essa articulação concedeu passagem e crédito político
precisamente ao grupo que hoje ainda tenta se contrapor ao governo federal
petista. A estabilização econômica que se seguiu a 1994, entretanto, continuou a
reafirmar e confirmar, na mentalidade coletiva predominante, a necessidade de
um pacto de sustentação da vida econômica através de uma ação consistente por
parte do governo federal. Ocorre que o modus operandi dos partidos então
hegemônicos contrariou essa expectativa pelo menos em três frentes principais:
1) programa de privatização generalizada das empresas públicas;
2) renúncia ao controle do valor da moeda nacional perante o dólar estadunidense;
3) e ausência de uma política social significativa.
1) programa de privatização generalizada das empresas públicas;
2) renúncia ao controle do valor da moeda nacional perante o dólar estadunidense;
3) e ausência de uma política social significativa.
Esse estado de coisas demonstra que o atual cenário
político-partidário, que tende a se prolongar pelo menos nos próximos dez anos,
rejeita uma perspectiva neoliberal que inclua a negação do Estado como
instância interveniente nas vias de passagem mais importantes para o progresso
econômico, social e político. Essa negação será sempre precária caso recorra à
tentativa de qualificar as atuais políticas sociais de paternalismo ou
populismo, considerando que elas não são percebidas como elementos isolados do
complexo de atuação mais ampla da política nacional. Como exemplo, basta olhar
para a política agressiva de diminuição dos juros, em que os dois principais
bancos estatais foram claramente postos a serviço deste programa, que trouxe
como consequência impressionante o fato de que, alguns meses depois, bancos
privados passaram a propagandear abertamente em campanhas milionárias de
televisão um novo produto (!): a queda dos juros cobrados ao consumidor.
Diante de todos esses aspectos, a direita no Brasil precisa,
de fato, se reinventar, caso realmente queira se legitimar como uma alternativa
política de forma positiva, e não apenas através da explicitação de fracassos da política econômica (aumento da inflação, crescimento fraco do PIB etc.), ou através da crítica de princípios que lhe restou: a acusação de inconsistência ética do Partido dos Trabalhadores. Não se constrói
uma percepção de legitimidade de projeto político apenas (ou majoritariamente)
com a negação sistemática de um outro partido, tomando o caso do assim chamado
mensalão como um emblema. Além do fato de este modelo de cooptação
parlamentar ter sido introduzido por políticos do PSDB, a percepção do brasileiro em
relação aos políticos em geral não deixa muita margem para um ganho positivo a
partir de uma repetição maciça dessas críticas ao PT.
Sou bastante cético em relação à possibilidade desta
re-construção programática. A percepção do embate econômico e político no
Brasil que me parece francamente dominante é a de uma disparidade
assustadora de forças, em que os pequenos (em qualquer aspecto que seja
considerado) estão sistematicamente expostos à ameaça de serem engolidos e
trucidados pelos grandes (ou violentos, ou opressores). Essa disparidade é
vivida a todo momento, desde a insegurança de pisar fora de casa à noite nas
grandes metrópoles, até a impunidade de grandes empresários e políticos sempre
e de novo pegos em acusações escabrosas e mais uma vez libertados através de
estratégias protelatórias e outros mecanismos jurídicos menos nobres. Diante
desse cenário, a figura de um
Estado interveniente nas relações díspares e excruciantes de poder
deverá fazer parte dos projetos políticos no âmbito nacional, sejam eles de
direita ou de esquerda. Em um universo social, econômico e político marcado por uma das mais fortes desigualdades de distribuição de renda no mundo e por suas consequências sócio-culturais, a perspectiva programática neoliberal do Estado mínimo é extremamente problemática em termos de sua viabilidade eleitoral e também, segundo penso, de sua validade como veículo de fomento do progresso econômico, político e sócio-cultural no Brasil de hoje. Isto, porém, não é especialmente relevante ou decisivo no
âmbito das políticas municipais e estaduais, marcadas por
compromissos bem menos carregados ideologicamente, podendo se produzir e
reproduzir indefinidamente através de programas técnico-gerenciais, como obras
públicas, melhora do sistema prisional, construção de hospitais, ampliação de
vagas no sistema de ensino etc.
A pergunta, caso toda argumentação precedente seja válida, é a seguinte: como seria possível um programa neoliberal que acolha, de alguma forma, o princípio programático de um estado interveniente? — Atente-se para o fato de que não é todo dia que se encontra um Plano Real como tíquete de entrada do palácio do planalto.
A pergunta, caso toda argumentação precedente seja válida, é a seguinte: como seria possível um programa neoliberal que acolha, de alguma forma, o princípio programático de um estado interveniente? — Atente-se para o fato de que não é todo dia que se encontra um Plano Real como tíquete de entrada do palácio do planalto.
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