Quando
se pensa criticamente sobre a produtividade acadêmica, podemos considerar de
antemão apenas a dimensão qualitativa, deixando de lado os problemas ligados ao
que se convencionou chamar de “produtivismo”. Mesmo que critiquemos de forma
enfática este último, que se manifesta, entre outras coisas na assim chamada
“ciência salame”, em que uma mesma pesquisa é fatiada (quando não simplesmente
repetida!) em inumeráveis artigos, capítulos de livro, palestras etc., mesmo assim
ainda é uma questão sempre relevante que tenhamos uma produção melhor,
qualitativamente aperfeiçoada. Ocorre que o produtivismo prejudica esta melhora
qualitativa, demandando sempre a publicação de artigos e outros produtos, em
detrimento de uma pesquisa mais substantiva. A fim de alterar este estado de
coisas, é necessário repensar integralmente o sentido, a diretriz geral, que
pauta nossos objetivos e metas, além da prática cotidiana, de toda a pesquisa.
O
primeiro aspecto essencial a se considerar é a diferença gritante entre o tipo
de trabalho de um pesquisador e outras práticas profissionais. Quando um
dentista age cotidianamente em seu consultório, sua atividade é medida pela
quantidade de tratamentos e pela excelência de cada um deles (além de outros
aspectos que não nos concernem aqui, como a dimensão afetiva no relacionamento
com os pacientes). Quando, entretanto, ele se dedica a pesquisar uma nova solução para a cura de uma enfermidade, como a
inflamação dos nervos bucais, o critério de avaliação passa a ser bastante
diverso, pois não está mais em jogo este acúmulo positivamente verificável de
resultados passo a passo. Muita coisa deverá ser mantida suspensão em termos de
juízo para que um resultado consistente seja alcançado no final. Entre o começo
da pesquisa e seu fim, a possibilidade de erro, de desvio, de rotas
desnecessárias, de desperdício de material etc., colocam a pesquisa sempre em
xeque quanto a sua validade, quanto a sua legitimação para o capital financeiro
e humano empregado. Isso se torna especialmente problemático e difícil de
equacionar em uma mentalidade produtivista, quando pensamos na possibilidade de
a pesquisa “dar errado”, no sentido de não render os conhecimentos esperados ou
o conjunto de hipóteses levantadas inicialmente se mostrar infrutífero.
Ora,
a mentalidade produtivista é positivista: ela sempre se firma no critério de
mensurabilidade factual dos produtos. Em contraste com isso, a aposta e o
investimento na empresa científica pautam-se no vigor ao se lidar com a
negatividade, com a incerteza, com a possibilidade de desperdício, com a
ausência de critérios inequívocos para avaliar a qualidade e a excelência do
percurso etc.
Essa
ânsia positivista de medir a produção acadêmica, infelizmente, está aliada a
outro contexto de demandas de atuação docente: em reuniões de departamento,
comissões de avaliação de pesquisas discentes e uma série de outros encargos.
Essa conjunção do produtivismo da pesquisa em si e da demanda de participação
múltipla em diversas esferas da universidade origina sistematicamente diversos
ruídos no percurso da produção, cujos efeitos não são apenas da ordem de um
somatório de suas interferências específicas.
A
aquisição de conhecimento científico demanda essencialmente concentração na
caminhada, que se quer resultando na consistência ao se perseguirem novas
hipóteses, ideias, princípios de análise progressistas, soluções ainda não
verificadas. Entre a formulação inicial deste campo ideativo e a sedimentação
final, quanto mais o trabalho sofrer interferências, ele não apenas é subtraído
de uma quantidade de tempo, quanto é afetado em seu espírito mais próprio.
Ocorre que este espírito tem seu centro de gravidade colocado, não na
coisa-trabalho, no processo laborativo considerado em sua objetividade
exterior, mas sim no próprio sujeito, no cientista, no teórico.
Prestemos
atenção a este aspecto de crucial importância: o investimento econômico, de
energia, de tempo, de recursos humanos, tem como seu sentido mais peculiar uma
crença não no resultado, mas na capacidade daquele a quem atribuímos a
tarefa. Iniciar uma pesquisa significa acreditar no potencial humano, na
inteligência, na capacidade raciocinativa de levantamento de questões, na
consistência emocional e intelectual para buscar possíveis respostas e para
lidar com os momentos de impasse. Ora, este núcleo subjetivo-negativo, porque
questionável, é exatamente o ponto nevrálgico da alergia positivista ao
princípio de incerteza que rege a ciência como aquela forma de saber que lida
com problemas de fronteira, ou seja, que quer sempre expandir o conhecimento em
direção ao que ignoramos.
Para
fazer frente a isto, não basta atentar para as inumeráveis regras de
organização de tempo, estabelecimento de prioridades, divisão de tarefas e tudo
mais. É necessário primordialmente ter em vista o que dá sentido como
empreendimento intelectual à aposta sempre em certa medida duvidosa (pois sem
isto não seria uma aposta) da ciência como necessariamente ligada ao não saber,
ao risco, ao fracasso. De um ponto de vista mais concreto, eu diria que tanto
no âmbito individual quanto coletivo, de departamento, tudo deve ser
orquestrado ao máximo de modo a haver uma concentração ótima para o trabalho da
pesquisa, conferindo-lhe os meios e condições para uma continuidade prolongada e consistente. Claro está que isto varia
infinitamente não apenas entre as pessoas, quanto também entre o que é factível
na organização dos departamentos e das unidades. Em que pesem essas
vicissitudes, creio como sumamente necessário que elas sejam sempre pensadas a
partir deste princípio mais geral de investimento e de aposta na dimensão
subjetiva da pesquisa como um projeto regido pelo princípio da incerteza do
empreendimento científico.
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