O erótico é a linguagem do sexual, pondo-se como veículo e
prática de sedução, recusa, saber, incerteza, questionamento. É a expressão de
um excesso que se prende e se potencializa como inquietude diante do desejo,
demandando a eloquência dos corpos e de suas imagens, metáforas, metonímias,
sons, fisionomias. Ganha vida no equilíbrio instável entre o excesso e a falta,
entre a potência e a fraqueza como forma de fazer falar o sexual. Este,
fantasmático por excelência, ganha intelecção ao expor seu caos como
duplicidade infinitamente rebatida nos gestos, nas imagens, na palavra.
O não-saber de si se completa e se reforça no não-saber sobre
o outro, que, por também ignorar a si, instaura o erótico como um diálogo de
surdos para o significado mais íntimo e interno do que é expresso. Dessa
ignorância surgem tanto a eloquência e a vivacidade do erótico quanto sua
paralisia, seu definhamento e sua explosão como violência injustificada. No
erótico, o sexual exprime-se em seu descompasso e inadequação perante si mesmo.
Precisamente por ser marcado pela instabilidade entre o excesso e a falta, o
sexual se põe e se fala como erótico, firma-se na mobilidade da percepção de um
signo, símbolo, imagem como convite emaranhado no e tingido pelo negativo, pela
negação, insuportabilidade e ruptura. Isso nos diz que o erótico é uma via de
codificação da violência sexual, na medida em que a força de ruptura do
primeiro demanda uma via de escape para a angústia a ela associada.
Se o sexual fosse uma realidade primeira, não haveria erotismo,
como parece ser o caso nos animais irracionais. Em nossa espécie, o sexo existe
essencialmente como desvio, como um efeito de secreção da excitabilidade
corporal absorvida e armazenada no âmbito das representações imagéticas:
fantasias, traços de memória, ideias. Dada a disparidade inapelável entre a
concretude da excitação, do investimento afetivo, por um lado, e o complexo
representacional, por outro, entre eles vigora, ao mesmo tempo, uma
insuficiência e um excesso, uma inadequação constitutiva que mobiliza infinitas
buscas e rebuscamentos que tendem a um universo barroco de representações tão
ricas em formas, cores, formatos, sons, quanto incapazes de nos devolver a uma
plenitude vivencial, satisfeita pela fusão com o substrato somático, natural,
originário, de nosso ser. Os objetos fantasísticos ocupam esse lugar miraginal
de resgate de uma plenitude perdida.
Nesse cenário, qual o papel do interdito, da proibição, do
tabu, da lei? De um ponto de vista tanto psicanalítico quanto filosófico, trata-se
de uma temática extremamente complexa e difícil de tratar nesse tempo de que
dispomos. Em linhas gerais, podemos dizer, a partir das primeiras formulações
clássicas de Freud sobre a sexualidade infantil, que o sexual é transgressivo
antes mesmo de qualquer vivência consciente sobre interdições, devido ao fato
de surgir como uma torrente transbordante íntima/interna, momento em que o
próprio eu se percebe como transgredido, violado, posto sob ameaça de ruptura
iminente. Saltando diversos argumentos intermediários, dizemos que todo
interdito sexual é uma espécie de exteriorização metafórica para a vivência
inconsciente fundadora de nós mesmos, em que o sexual institui-se como o gozo
da ruptura do que nos define. Identificamo-nos com a lei e por meio dela nos
aproximamos do outro, momento em que a violação do interdito figura como
projeção metonímica do penetrar e ser penetrado, da ruptura de nosso invólucro
corporal, psíquico, afetivo. A lei é uma espécie de pele que absorve os
investimentos inconscientes que remanescem de um estrato subjetivo arcaico,
próximo ao surgimento da individualidade como vivência de uma situação-limite
entre a integridade que vive e o dilaceramento que goza.
II
Os conceitos de erótico e pornográfico são bastante
imprecisos, móveis, mescláveis, inviabilizando uma definição objetivamente
segura, a partir da qual se possam discernir concretamente obras, gestos,
imagens etc. Eles funcionam como princípios gerais, pontos de fuga, aos quais
aproximamos uma obra ou suas partes. Toda pornografia é erótica, mas nem todo
erotismo é pornográfico, e isso nos situa agora no plano do estético/cultural,
em que a análise é facilitada (pois nosso tempo aqui é reduzido). Dizemos que a
diferença reside no fato de o erótico definir-se como em movimento pendular,
móvel e instável entre a certeza, a indefinição, o saber e o assenhoramento do
sexual. O pornográfico, embora não elimine toda incerteza, dúvida e
negatividade, insere-as em um complexo imagético em que vigora a intenção de
enfatizar a positividade, a evidência, a certeza do objeto como
objeto-de-prazer, como veículo de satisfação, de gozo, mesmo que não consumado.
Essa não-consumação é importante porque há pornografia leve e erotismo pesado,
sem que isso contrarie o que falamos antes.
O pornográfico vive e se nutre da simulação da presença, da
fabricação imagética da realidade do objeto sexual (sua entificação miraginal),
enquanto o erótico questiona essa presença, situa-a em um complexo expressivo
heterogêneo e heteróclito, em seu esforço próprio de (de)codificação da
incerteza, do caos e da violência. Embora a obscenidade seja comum a ambos, tem
valor diferenciado, pois para o pornográfico ela significa um convite que
pretende nos situar na percepção afetivamente preenchida de que já usufruímos da
intimidade viscosa do objeto sexual, de já termos penetrado na circunferência
libidinal do objeto e devassado sua sacralidade cotidiana, normal, pudica. No
erótico, diferentemente, o obsceno é uma aresta, uma fímbria, uma zona
fronteiriça móvel que instiga e instila o olhar como fazendo parte da própria
cena, reduzindo-o, porém, nesse mesmo passo, a um mero componente em meio a
vários outros neste palco sexualis.
Por mais estranho que pareça, o pornográfico dá a satisfação
da recusa do sexual. Na proporção mesma em que simula a presença positiva do
objeto de desejo, serve como álibi para a dispensa do esforço de atravessar a
negatividade do desejo alheio. Existe um quê de catártico em toda imagem
pornográfica, que evoca o sexual com a virulência típica do que se presta a ser
apenas um meio para esquecer, recalcar, negar, processos de vinculação com o
real que demandam compromissos mediados por construção.
Em relação a este aspecto, o erótico desafia o conceito
freudiano clássico de sublimação como desvio da meta satisfação com objetos
sexuais para outros, situados em planos distintos, como ciência, arte,
religião. Que uma arte seja sublimação e, ao mesmo tempo, erótica, porém, não
deveria ser causa de nenhuma estranheza, em virtude de que sublimar diz respeito
não propriamente ao objeto percebido, mas ao tipo de investimento afetivo nele
realizado, de modo que, tal como nos ensina o próprio Freud, todo sintoma
neurótico significa uma sexualização inconsciente de objetos, mesmo quando
estes nada têm de sexuais. O que conta propriamente no erotismo como sublimação
é o modo com que toda a energia sexual trazida à tona com as imagens é, por
assim dizer, neutralizada na articulação com os outros elementos, questionando
sua realidade e presença sexualmente literais. Isso não significa, porém, que a
excitação esteja excluída, proscrita, pois ela pode ser perfeitamente um dos
componentes dessa articulação heterogênea dos componentes estéticos.