Em sua coluna na Folha de SP (20/10/16), Patrícia Mello diz:
“Ao admitir a derrota para Barack Obama na eleição de 2008, o senador
republicano John McCain começou seu discurso com as seguintes palavras: ‘O povo
americano falou de forma clara. Há poucos instantes, eu tive a honra de ligar
para o senador Obama para parabenizá-lo. Parabenizá-lo por ter sido eleito o
próximo presidente do país que nós dois amamos.’
Diante de vaias de seus apoiadores, Mc Cain pediu respeito:
‘Por favor’. E continuou: ‘O senador Obama e eu tivemos nossas divergências e
ele prevaleceu. Muitas dessas divergências permanecem. São tempos difíceis para
o nosso país. E eu prometo a Obama fazer tudo o que eu puder para ajudá-lo a
nos liderar e enfrentar os desafios que temos pela frente. Eu exorto todos os
americanos que me apoiaram não apenas a parabenizar Obama, mas a oferecer ao
nosso próximo presidente nossa boa vontade e esforços sinceros para achar
maneiras de superar nossas diferenças’.
O senador republicano encerrou: ‘Essa campanha foi e sempre
será a grande honra da minha vida, e estou muito grato ao povo americano por
ter me ouvido de forma justa antes de decidir que o senador Obama e meu velho
amigo senador Joe Biden deveriam ter a honra de nos liderar nos próximos quatro
anos’."
Agora imaginem se Aécio Neves tivesse dito algo parecido. A
situação do país seria outra complemente distinta, como distinta foi sua fala,
no sentido de assumir a postura de sabotador contumaz da candidatura vencedora.
Não se tratou apenas, claro está, de divergência ideológico-partidária,
relativa a programa de governo ou algo que apontasse para o conteúdo político
em jogo. O mote foi a ânsia pelo poder, que perdurou na suspeição dos
resultados das urnas, na ação no TSE contra a chapa Dilma-Temer, na proposta
indecorosa de renúncia e finalmente na contratação da redação da peça de
impeachment pela Janaína Paschoal, relatada no Senado por Antonio Anastasia, do
PSDB.
Vemos dois modelos substancialmente distintos de conduta, de
McCain e de Aécio, que nos indicam o quanto a divergência idológico-partidária
não precisa ser afogada no redemoinho e na voracidade da luta pelo poder. No
caso do senador tucano, tratou-se de produzir a derrota alheia não apenas em termos
formais com o impeachment, mas de conteúdo, ao participar dos movimentos
absolutamente vergonhosos ao redor das “pautas-bomba” que paralisaram
terrivelmente o país quando da “regência” de Eduardo Cunha, eleito com o voto
maciço dos tucanos, apesar de toda a evidenciação de seus mandos e desmandos
pregressos.
Depois de corroer e implodir a governabilidade, desde o
resultado nas urnas até a votação de um relatório no Senado feito por quem
praticou em muito maior quantidade os mesmos atos imputados a Dilma, o PSDB
sistematicamente mobiliza suas vozes desprovidas de qualquer senso republicano
para jogar toda e qualquer culpa pela situação do país em quem foi sabotado.
Quando mobilizamos tais argumentos, ainda temos que ouvir a acusação de
vitimismo, como se o mais fraco na luta político-social nunca pudesse
argumentar servindo-se da disparidade de forças como ponto de apoio. Vigora, e
de fato milenarmente, a percepção de que o supremo erro é não impor sua verdade
pela força. Mesmo tendo franca minoria no Congresso Nacional, apelar para o
senso republicano da oposição e cobrar dela a responsabilidade pela condução do
país fez de Dilma aos olhos de todos uma vitimista, uma governante que teria,
além de toda possibilidade real, que fazer valer sua força como chefe do
executivo. Esquece-se, propositalmente, o quanto o executivo não governa
sozinho, o quanto dezenas de medidas urgentes somente são aprovadas se a
oposição se dispõe a colaborar.
Como, porém, o quarto poder, a imprensa, jogou todos os
holofotes em quem ocupou a cadeira presidencial, deixando na sombra a corrosão
quase criminosa da governabilidade pela oposição capitaneada por Cunha e Aécio,
o impeachment tornou-se o prêmio para a ação radicalmente anti-republicana de
ambos.