Em toda essa luta intestina pelo poder, travada entre
representantes dos diversos poderes: políticos, jurídicos, mediáticos,
empresariais etc., a faceta mais enigmática é a determinação resoluta das organizações
Globo em retirar Michel Temer do poder. Considerando-se ter sido esse grupo
mediático o carro-chefe do processo de impeachment, junto com juízes e
procuradores-estrela da Lava Jato, e ainda o fato evidente de ele apoiar
integralmente todas as “reformas” em curso, resta muito pouco para explicar
este engajamento pela continuidade do “primeiro a gente tira Dilma e depois o
resto”.
O fato de o mandatário da república ter sido flagrado em uma
conversa com indícios de crimes graves chega a ser ridículo como este “pouco”
para esclarecer o empenho dos Marinho. Não nos esqueçamos: a conversa gravada
entre Joesley e Temer não foi espontânea, e sim fruto de uma ação orquestrada
para produzir provas, confirmando o já anunciado nas conversas e tratativas do
empresário com procuradores e juízes. Parafraseando Sérgio Machado, é
impossível a Globo não saber “dos esquemas do Temer”, antes mesmo da campanha
contra Dilma: tratou-se apenas do timing certo para retirar um dos pés de apoio
do agora acusado como chefe da pior quadrilha criminosa do Brasil.
Considerando ser a fragilidade do governo federal um grande
empecilho para não apenas a celeridade, mas até mesmo à própria aprovação das
reformas trabalhista e previdenciária, o empenho político da Globo seria
contraditório. Inicialmente, esse paradoxo seria desfeito ao se assumir sua
intenção de trocar Michel temer por alguém do PSDB, mas não é de hoje que os
principais nomes do partido estão gravemente atingidos por denúncias de
corrupção e desvio de dinheiro público. Faria pouco sentido armar toda esta a
ação combativa com o propósito de catapultar João Dória ao Palácio do Planalto,
considerando sua pouca experiência administrativa, ausência de fatos capazes de
engrandecer sua imagem, pouquíssimo carisma popular, baixíssima
representatividade eleitoral no nordeste etc.
Em suma: falta algum elemento propositivo a compensar a instabilidade
política e a deslegitimação de um governo até agora completamente orientado a
cumprir os objetivos do grande empresariado, cujo principal porta-voz são as
organizações Globo.
A única resposta viável me parece ser o desejo de apoiar Jair
Bolsonaro à presidência da república. A história política, pelo menos desde o
início do século XX, tem exemplos fartos de a extrema direita ser tomada como “solução”
pseudo-política das massas em situação de desesperança, anomia, instabilidade
econômica e institucional. Em vez de lutar pela construção de mecanismos
inclusivos e de distribuição das oportunidades de trabalho, favorecendo a
distribuição de renda e o alargamento da participação democrática nas decisões,
tem-se exatamente o inverso: uma regressão político-democrática, tomando o
sacrifício individual como preço por uma ordem e estabilidade impostas desde
cima pela mão suficientemente forte, cujo autoritarismo se coaduna
perfeitamente com a “condição de desamparo”, tão bem estudada por Freud. Aquele
defensor dos governos ditatoriais e dos mecanismos de tortura se presta
especialmente bem a esse papel. Ao contrário de João Dória, sua inexperiência
administrativa lhe é favorável, pois o regime imaginário a ser mobilizado em
sua propaganda mediática espontânea é exatamente a atuação extra-institucional,
não-política, agindo como um rolo compressor sobre não apenas a desordem, mas
fundamentalmente sobre as diferenças, sobre as heterogeneidades das demandas.
Em vez do esforço de construção de uma sociedade igualitária, tem-se o
princípio regressivo de achatamento das diferenças por imposição de cima para
baixo.
O Brasil sempre foi uma sociedade autoritária, golpista e
avessa ao espírito democrático, tendo experimentado breves momentos de
estabilidade para a construção do espírito de cidadania. O projeto político
favorecido pelas organizações Globo é uma reação forte e radical ao que os
governos de Lula e Dilma representaram como construção democrática. Quanto
maior a percepção de instabilidade das instituições políticas, quanto maior a
descrença e a desesperança em soluções “políticas”, mais se pavimenta a via do
autoritarismo. Esperamos que o Brasil não siga este caminho.