O preceito bíblico de amar ao inimigo, segundo Nietzsche, é
efetivamente praticado — e na verdade segundo uma lógica pré- ou extra-moral — por
aquelas e aqueles que são fortes, que possuem a suficiente nobreza de caráter e
a robustez emocional de saber do mundo como campo de forças. Nesse palco de
várias atrizes e vários atores, fazer valer seus princípios valorativos e sua
vontade consiste em reconhecer a força e a verdade alheias em uma disputa
eternamente não resolvida de forma final, derradeira. Quem é forte se rejubila
com este enfrentamento na exata medida em que as jogadoras e os jogadores se
enfrentam no campo aberto das possibilidades de equacionamento dos quereres.
Outro é o caso das pessoas fracas, cuja marca distintiva é a
dissimulação, os subterfúgios, as espertezas traiçoeiras e, sobretudo, a
baixeza de espírito, o apego às mesquinharias, tudo isto resultando na
tentativa de obter uma vitória moral-moralista sobre o outro. Nesse momento, a
objetividade do enfrentamento político das verdades cede lugar a uma espécie de
esgrima de artifícios retóricos não apenas morais, mas moralistas.
Com base neste panorama conceitual pode-se avaliar o quão
pequena e politicamente abjeta é a comemoração ufanista, pseudo-patriótica do
prefeito João Dória para com a condenação explicitamente sem provas materiais
de Luiz Inácio Lula da Silva. Ignorando completamente o quanto o juiz Sérgio
Moro precisou se defender longamente de ser um juiz partidário, pois frequentou
largamente eventos promovidos pelo próprio prefeito; desconsiderando o fato de
toda a peça sentencial se basear apenas em delações obtidas com base em
atenuações de pena radicais, Dória estende bandeiras do Brasil como se a
condenação de seu adversário político fosse um troféu para este nacionalismo
mais do que abjeto.
É bom ter adversárias e adversários, é imperioso medir a
própria verdade com a alheia, é salutar sair de seu próprio umbigo e atravessar
a incerteza que significa ter de se haver com o outro, mas causa nojo e até
náuseas confrontar-se com uma postura tão mesquinha, baixa- e politicamente
moralizante quanto a de João Dória. Essa qualificação não é levantada apenas em
virtude das ações em si, mas também pelo modo como ela fomenta o mesmo tipo
de atitude nas mentes de todas e de todos que aguardam apenas tais exemplos
para dar vazão a uma atitude anti-política, regressiva em termos éticos e falsa
como princípio humano para lidar com a diferença. Tudo o que nós queremos são
adversárias/os e mesmo inimigas/os honestas/os, que saibam celebrar a luta como
uma busca por uma verdade comum, e não como quem esgrima uma verdade moralista
subterrânea para atingir a quem se expõe no palco das diferenças públicas e
políticas.